RODRIGO BARBOSA CAMACHO

À Porta da Liberdade

4/24/2019

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Este projeto está a dar cabo de mim. Mentira!!! Deixa-me com arranhões e algumas nódoas negras, sim, estica-me uns músculos aqui e ali, mas também me enche de energia todo o dia, tanta, que sobra sempre para o próximo. Têm havido vezes em que os participantes se entusiasmam tanto que as suas mãos se pelam, mas "estranhamente" - muitos diriam - são talvez esses mesmo, os que se despedem de mim tão radiantemente desimportados.

Hoje, na PORTA33, a montagem foi mais leve. O Hélder, quando chegou, ajudou-me logo a ir buscar o "amarelinho" ao teatro. Fomos conversando pelo caminho sobre as práticas de ambos e ficámo-nos a conhecer melhor. Ele tem um trabalho, também participativo, muito cativante sobre os furacões que, fiquei a saber hoje, retomam os nomes uns dos outros, em ciclos, e têm quase sempre a mesma rota duplamente generativa e migratória. Passeiam-se pelo atlântico numa parábola via norte, dão uma cacetada nos USA, e vão morrer para lá para cima em terras geladas. Também conheci a Magda, que está a estagiar lá na PORTA33 e que também tem um trabalho interessantíssimo sobre a ciclicalidade relacional entre as coisa que vivem, e as que não, e sobre a forma como umas passam a ser as outras, sobre como se permeiam, compenetrando-se temporal e espacialmente. Ela pensa a cidade, a sua vida ou - despojada de ilusões - a falta dela e preocupa-se com as direções, com os percursos e com as formas de a pensar numa dinâmica de cooperação, não de ocupação. A Margarida também esteve por perto a maior parte do dia, tendo-se interessado profundamente pelo funcionamento interno do PROBLEMA. Almoçámos todos juntos, no quintal mais acolhedor do Funchal, e depois fomos ver a magnífica horta que lá têm. [Todas as pessoas deveriam começar a ponderar fazer crescer, com gosto e qualidade, a sua própria comida].

A preparação para os workshops foi mais leve, porque a estrutura que segura toda a catrafulhada eletrónica não veio, pois nem caberia, mas não por isso a coisa se tornou mais simples. O saco, içado a roquetes desta vez, bem alto, foi deixado mesmo a meio da passagem que dá acesso ao jardim - tão lindo - onde desenham regularmente os alunos da Luísa. Como se encontrava problematicamente impedido o caminho que os leva ao desenho, a coisa começou logo ali. "Ai se os senhores do health and safety vissem isto!" As largas afinidades entre a abordagem da Luísa e o método que trouxe comigo na manga geraram uma sinergia fantástica e a coisa correu às mil maravilhas. Claro está que no início, o problema recorrente é sempre a timidez. Mas também foi em questão de minutos que, desafiados de forma tão direta, o grupo, feito de jovens e adultos das mais variadas idades, foi gradualmente ganhando a confiança necessária até que, no final da sessão, o saco já não podia com mais pancadaria, e se visse bem cheio um grande papel de cenário com inúmeros desenhos incríveis sobre as experiências de cada um. Marcou-me especialmente: "Nunca vi uma situação em que as mulheres tivessem demonstrado tanta força!" - disse a Clarinha, claramente inspirada. E ainda me ofereceu um desenho que fizera sobre o assunto. Obrigado Clarinha! Vai para a caixa das recordações!

O dia estava programado para acabar, quando me propuseram não desarregaçar as mangas, e ainda bem, pois foi um grande gosto ter trabalhado com o grupo que se seguiu. Os alunos, desta vez, eram do ensino recorrente, vinham de Câmara de Lobos para visitar a PORTA33 e deram de caras com o PROBLEMA que se punha lá em baixo. Expliquei-lhes sucintamente qual era o plano, e logo se montou grande fanfarra, muito alegre, da qual avançaram a Paula e a Maria - grandes e corajosas mulheres - que se juntaram pra lutar contra preocuparem-se demasiado. Quando tudo amainou, ficámos um pouco a conversar sobre o estado das coisas e, pouco a pouco, o espaço esvaziou-se de gente e a desmontagem foi a mais serena. Obrigado, Maurício e Cecília, por um trabalho que me dá esperança no futuro deste mundo! A mãe Helena apareceu ainda para me ajudar a levar o "chouriço" de volta, em horas tardias, embora tivesse com uma dor de cabeça. A minha mãe é a melhor!
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preparação, foto de Magda Pereira
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painel final do workshop, foto de Magda Pereira
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invenção "sobe e desce" a duas mãos, foto de Magda Pereira
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    Autor

    Rodrigo B. Camacho

    sobre

    Quando alguém declara que tem um problema, imaginamos talvez que essa pessoa esteja entalada numa situação complicada, que algo se encalhou, que está impedido, ou mesmo (muito querido o nosso fatalismo) que “está tudo arruinado”.

    Sentimos que a vida se entrava perante um problema, assim que as coisas se emaranham e renunciam o seu funcionamento, descontinuando-se. É todo um bloqueio, uma barreira, uma impossibilidade intransponível!

     
    Contudo, por meio
    de uma escavação
    etimológica feito pela palavra 
    problema adentro, o Rodrigo descobriu que, na sua concepção, a ideia daquilo que um problema deveria ser baseia-se verdadeiramente numa ação bem física, de facto.

    O verbo grego 
    probállō
    é composto por pro (diante, frente) e bállō (lançar, projetar).
    Por isso mesmo, em 
    PROBLEMA, está toda a gente desafiada a resgatar a natureza proativa do termo a atirar umas batatadas aos seus próprios problemas.
     
    Tudo isto fica muitíssimo prático numa instalação audiovisual, cuja interface é – lá está – um saco de boxe! Aproxime-se dele e ser-lhe-á pedido algum problema que por ventura venha a ter no momento.

    Enquanto lhe é entregue um par de luvas, o seu problema já pairará num grande ecrã, e lá permanecerá, pacientemente à espera de qualquer que seja a coisa que você lhe venha a fazer.

    ​ 
    PROBLEMA é um apelo à ação, e é uma advertência, pois frequentemente esquecemo-nos de que temos um corpo; um que é simultaneamente físico, biológico, animal, social, cultural, político...

    O Rodrigo vê este trabalho como uma exploração poética da dicotomia entre as dimensões físicas e intelectuais e quer que a sua experiência sirva de tentativa de reconciliação dos nossos seres multidimensionais
    .

    Rumando via a um sentido de unidade, do infinitésimo ao de figura mais gargântua, do mais simples ao mais complexo, abstrato ou mesmo indescritível, todos os problemas serão bem-vindos para que sejam atirados adiante.
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